O mistério Brasil
A revista The Economist costuma produzir reportagens bastante aprofundadas sobre alguns temas específicos, onde o repórter encarregado fica meses ou anos estudando o assunto em questão. No início deste mês, o tema foi o Brasil.
Pedro Dória fez um resumo do que foi publicado. A transcrição segue abaixo.
"Nosso país faz parte do que o Goldman Sachs classificou de BRICs, os países em desenvolvimento que dividirão o domínio econômico global lá por 2050. Quer dizer: Brasil, Rússia, Índia, China. Como o nosso é o que menos cresce dentre os quatro – é o que menos cresce até mesmo em sua região – por que a turma do Goldman Sachs continua a incluir o B na lista?
A Economist tira um sarro com Lya Luft, colunista da Veja, que há alguns meses afirmou que o Brasil está se ‘partindo em pedaços’. Não é bem assim. Diz a brincadeira do tempo dos milicos, ‘Brasil, país do futuro forever‘. Também não é fato.
O Brasil está mudando, apesar de casos grotescos de corrupção no governo federal e episódios contumazes de criminalidade urbana fazerem parecer o contrário. A antropóloga Jacqueline Muniz caracteriza o país como ‘um híbrido de duas moralidades, uma desigual e hierárquica, a outra universal e igualitária’. O que nossa constituição assegura em direitos não funciona na prática. Embora um setor privado cada vez mais ágil conviva com um Estado getulista e o presidente operário governe com a oligarquia das capitanias, nem tudo vai mal.
Às boas notícias:
O Brasil ainda é um dos casos mais acirrados de desigualdade social do planeta, mas isto está mudando. Os pobres têm mais dinheiro e, para eles, o crescimento econômico galga em ritmo chinês.
Pequenos mercados de esquina estão crescendo apesar da concorrência de supermercados, um dos sinais de que pequenas empresas estão aparecendo com força. Se o hábito dos bancos era fazer dinheiro com papelada do governo, lentamente o caso está ficando diferente. Estão emprestando mais ao cidadão, apesar de ainda cobrarem juros altos. Um dos resultados desta mudança econômica é que o mercado imobiliário se move, enfim. Há um déficit nacional de 8 milhões de casas.
É a agricultura, a soja, a cana, que sustenta o Brasil, diz o lugar comum. A exportação de matéria prima, não de bens industriais. Na verdade, não exatamente. O petróleo é o maior produto de exportação brasileiro, e este é um produto tecnológico. Produtos do mercado de eletro-eletrônicos estão, ainda que lentamente, aumentando seu percentual no total de exportacões.
É nesta questão que entra o etanol. Não há qualquer país no mundo que se compare ao Brasil quando se trata de mover sua frota de veículos sem petróleo: 40% dos automóveis vão de álcool, 83% dos carros novos vendidos têm motores flex. Há, no mundo, um mercado potencialmente gigantesco.
Às benesses econômicas, some-se o surgimento das multinacionais brasileiras, incluindo Vale do Rio Doce, Gerdau, Embraer. Mesmo empresas que operam apenas no Brasil, como o conglomerado Submarino + Americanas.com, são portentos, um dos maiores sistemas de comércio eletrônico do mundo.
Há inovação e crescimento. A questão é: inovação e crescimento, concentrado em poucas empresas, pode contaminar outras? Investe-se pouco em pesquisa, no Brasil, e o pouco que se faz é investimento do governo nas universidades. Não é uma área que a iniciativa privada, ainda muito conservadora, ousou buscar. Pesquisa corresponde a 1% do PIB. Sem pesquisa científica e tecnológica, não se chega à ponta.
Outras duas questões importantes para o crescimento são as negociações da rodada de Doha, na Organização Mundial do Comércio, e o custo Brasil. Se o país vencer Doha e os países ricos derrubarem suas barreiras, o negócio agrícola tupinambá vai longe e o mercado tupinambá abre mais. O custo Brasil, o que empresas arcam com impostos e burocracia, não tem jeito, é uma barreira pesada.
O desmatamento da Amazônia faz com que o Brasil fique entre os 10 maiores contribuintes do aquecimento global. Mas, em 2006, o desmatamento chegou a seu menor nível desde 1991. Parte se explica porque os fazendeiros estão mais ocupados em plantar do que em desmatar. O governo está agindo de forma mais rigorosa, também. ONGs ecologistas estrangeiras têm sua parcela de mérito. O trabalho da Polícia Federal, idem. Uma moratória declarada pelos compradores de soja na produção feita em terras de desmatamento contribui. Ao que parece, a soma está funcionando.
Embora a percepção seja diversa, crime não é um problema tão grande. Embora o número de casos chocantes tenha aumentado, em cidades como São Paulo o nível de homicídios caiu pela metade desde 2000. Ninguém sabe o porquê. Mas morre-se menos, nas grandes capitais, por aquilo que é crime mas tomamos o hábito de chamar de violência urbana. Se o crime diminuiu, o que não mudou é a eficiência policial. Crime violento cometido não se resolve em quase todos os casos. Temos uma polícia estadual em nada eficiente.
Boa parte da política brasileira continua se concentrando no combate à desigualdade social. Entre o Alto Gávea e a Rocinha, no Rio, a distância não chega a um quilômetro. Mas ela quer dizer o seguinte: uma diferença de 17 vezes entre o que ganha quem está num canto e noutro, uma esperança de vida 13 anos maior para quem está do lado minoritário. O Bolsa Família, apoiado entre outras instituições pelo Banco Mundial, está fazendo uma diferença perceptível. Foi acusado de dar dinheiro para gente que preferirá não trabalhar. Na prática, está tendo efeito diverso: dá segurança para que o pai de família abandone o trabalho ruim e busque um melhor.
E é neste ponto que entram as más notícias.
Primeiro, a classe média está esmagada. Os impostos para ela são altos como são para os ricos, mas para a classe média o resultado é um impacto concreto na qualidade de vida. Empresas demitem nos níveis salarias mais altos, 86% dos empregos formais vão até dois salários mínimos, o número de cargos que pagam mais de 10 salários diminuiu 11% desde a virada do século. Parte disto tem a ver com a informalização nesta faixa de renda.
Não quer dizer que para os pobres as notícias sejam de todo boas. Sua elevação de renda não quer dizer garantia de futuro por um motivo simples que se conta em números. Numa avaliação de 40 países, o Brasil ficou em penúltimo na compreensão de matemática por suas crianças. Metade daqueles com 10 anos, embora estejam na escola, não sabem ler.
Houve mudanças, claro. 17% das crianças entre 7 e 14 anos sequer iam à escola há dez anos. Hoje, vão quase todas. Mas com quantidade não veio qualidade. É 4,3% do PIB que o país gasta com educação, muito menos do que devia nas contas da revista. Afinal, é um país com população jovem.
Há o problema da mentalidade brasileira, também, e isto recai sobre o que o povo pensa e espera de si, do pobre, à classe média, ao rico. A maioria dos pais vê colégio como aquele lugar em que os filhos se ocupam enquanto eles trabalham. É uma babá. Não se cobra qualidade. Não é só aí: embora os brasileiros tenham muita clareza de que querem instituições como a Petrobras mantidas nos braços do Estado, embora sejam rápidos em cobrar o que acreditam merecer do Estado, nenhum político se elege falando de carga tributária. De menos impostos. Simplesmente não é assunto que vinga.
Este, aos olhos da Economist, é o Brasil atual."
Chupado do Weblog
Pedro Dória fez um resumo do que foi publicado. A transcrição segue abaixo.
"Nosso país faz parte do que o Goldman Sachs classificou de BRICs, os países em desenvolvimento que dividirão o domínio econômico global lá por 2050. Quer dizer: Brasil, Rússia, Índia, China. Como o nosso é o que menos cresce dentre os quatro – é o que menos cresce até mesmo em sua região – por que a turma do Goldman Sachs continua a incluir o B na lista?
A Economist tira um sarro com Lya Luft, colunista da Veja, que há alguns meses afirmou que o Brasil está se ‘partindo em pedaços’. Não é bem assim. Diz a brincadeira do tempo dos milicos, ‘Brasil, país do futuro forever‘. Também não é fato.
O Brasil está mudando, apesar de casos grotescos de corrupção no governo federal e episódios contumazes de criminalidade urbana fazerem parecer o contrário. A antropóloga Jacqueline Muniz caracteriza o país como ‘um híbrido de duas moralidades, uma desigual e hierárquica, a outra universal e igualitária’. O que nossa constituição assegura em direitos não funciona na prática. Embora um setor privado cada vez mais ágil conviva com um Estado getulista e o presidente operário governe com a oligarquia das capitanias, nem tudo vai mal.
Às boas notícias:
O Brasil ainda é um dos casos mais acirrados de desigualdade social do planeta, mas isto está mudando. Os pobres têm mais dinheiro e, para eles, o crescimento econômico galga em ritmo chinês.
Pequenos mercados de esquina estão crescendo apesar da concorrência de supermercados, um dos sinais de que pequenas empresas estão aparecendo com força. Se o hábito dos bancos era fazer dinheiro com papelada do governo, lentamente o caso está ficando diferente. Estão emprestando mais ao cidadão, apesar de ainda cobrarem juros altos. Um dos resultados desta mudança econômica é que o mercado imobiliário se move, enfim. Há um déficit nacional de 8 milhões de casas.
É a agricultura, a soja, a cana, que sustenta o Brasil, diz o lugar comum. A exportação de matéria prima, não de bens industriais. Na verdade, não exatamente. O petróleo é o maior produto de exportação brasileiro, e este é um produto tecnológico. Produtos do mercado de eletro-eletrônicos estão, ainda que lentamente, aumentando seu percentual no total de exportacões.
É nesta questão que entra o etanol. Não há qualquer país no mundo que se compare ao Brasil quando se trata de mover sua frota de veículos sem petróleo: 40% dos automóveis vão de álcool, 83% dos carros novos vendidos têm motores flex. Há, no mundo, um mercado potencialmente gigantesco.
Às benesses econômicas, some-se o surgimento das multinacionais brasileiras, incluindo Vale do Rio Doce, Gerdau, Embraer. Mesmo empresas que operam apenas no Brasil, como o conglomerado Submarino + Americanas.com, são portentos, um dos maiores sistemas de comércio eletrônico do mundo.
Há inovação e crescimento. A questão é: inovação e crescimento, concentrado em poucas empresas, pode contaminar outras? Investe-se pouco em pesquisa, no Brasil, e o pouco que se faz é investimento do governo nas universidades. Não é uma área que a iniciativa privada, ainda muito conservadora, ousou buscar. Pesquisa corresponde a 1% do PIB. Sem pesquisa científica e tecnológica, não se chega à ponta.
Outras duas questões importantes para o crescimento são as negociações da rodada de Doha, na Organização Mundial do Comércio, e o custo Brasil. Se o país vencer Doha e os países ricos derrubarem suas barreiras, o negócio agrícola tupinambá vai longe e o mercado tupinambá abre mais. O custo Brasil, o que empresas arcam com impostos e burocracia, não tem jeito, é uma barreira pesada.
O desmatamento da Amazônia faz com que o Brasil fique entre os 10 maiores contribuintes do aquecimento global. Mas, em 2006, o desmatamento chegou a seu menor nível desde 1991. Parte se explica porque os fazendeiros estão mais ocupados em plantar do que em desmatar. O governo está agindo de forma mais rigorosa, também. ONGs ecologistas estrangeiras têm sua parcela de mérito. O trabalho da Polícia Federal, idem. Uma moratória declarada pelos compradores de soja na produção feita em terras de desmatamento contribui. Ao que parece, a soma está funcionando.
Embora a percepção seja diversa, crime não é um problema tão grande. Embora o número de casos chocantes tenha aumentado, em cidades como São Paulo o nível de homicídios caiu pela metade desde 2000. Ninguém sabe o porquê. Mas morre-se menos, nas grandes capitais, por aquilo que é crime mas tomamos o hábito de chamar de violência urbana. Se o crime diminuiu, o que não mudou é a eficiência policial. Crime violento cometido não se resolve em quase todos os casos. Temos uma polícia estadual em nada eficiente.
Boa parte da política brasileira continua se concentrando no combate à desigualdade social. Entre o Alto Gávea e a Rocinha, no Rio, a distância não chega a um quilômetro. Mas ela quer dizer o seguinte: uma diferença de 17 vezes entre o que ganha quem está num canto e noutro, uma esperança de vida 13 anos maior para quem está do lado minoritário. O Bolsa Família, apoiado entre outras instituições pelo Banco Mundial, está fazendo uma diferença perceptível. Foi acusado de dar dinheiro para gente que preferirá não trabalhar. Na prática, está tendo efeito diverso: dá segurança para que o pai de família abandone o trabalho ruim e busque um melhor.
E é neste ponto que entram as más notícias.
Primeiro, a classe média está esmagada. Os impostos para ela são altos como são para os ricos, mas para a classe média o resultado é um impacto concreto na qualidade de vida. Empresas demitem nos níveis salarias mais altos, 86% dos empregos formais vão até dois salários mínimos, o número de cargos que pagam mais de 10 salários diminuiu 11% desde a virada do século. Parte disto tem a ver com a informalização nesta faixa de renda.
Não quer dizer que para os pobres as notícias sejam de todo boas. Sua elevação de renda não quer dizer garantia de futuro por um motivo simples que se conta em números. Numa avaliação de 40 países, o Brasil ficou em penúltimo na compreensão de matemática por suas crianças. Metade daqueles com 10 anos, embora estejam na escola, não sabem ler.
Houve mudanças, claro. 17% das crianças entre 7 e 14 anos sequer iam à escola há dez anos. Hoje, vão quase todas. Mas com quantidade não veio qualidade. É 4,3% do PIB que o país gasta com educação, muito menos do que devia nas contas da revista. Afinal, é um país com população jovem.
Há o problema da mentalidade brasileira, também, e isto recai sobre o que o povo pensa e espera de si, do pobre, à classe média, ao rico. A maioria dos pais vê colégio como aquele lugar em que os filhos se ocupam enquanto eles trabalham. É uma babá. Não se cobra qualidade. Não é só aí: embora os brasileiros tenham muita clareza de que querem instituições como a Petrobras mantidas nos braços do Estado, embora sejam rápidos em cobrar o que acreditam merecer do Estado, nenhum político se elege falando de carga tributária. De menos impostos. Simplesmente não é assunto que vinga.
Este, aos olhos da Economist, é o Brasil atual."
Chupado do Weblog
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